QUANDO O SILÊNCIO É A MELHOR ALTERNATIVA
Não vi a comentada entrevista da tal Xuxa no Fantástico
deste domingo, dia 20/05/12. Mas não pude ignorá-la por muito tempo,
pois a primeira notícia que recebi nesta manhã, logo cedo, foi: "-
-Cê viu que a Xuxa foi abusada na infância?"
Fora o surrealismo da revelação, ocorreu-me que aquela,
certamente, não era a notícia que desejava ouvir logo no início da
semana. Afinal, como uma mulher de 50 anos, aparentemente esclarecida,
só agora, passado todo esse tempo, resolve falar sobre algo tão
grave? E por que me irritou tanto esta informação? Parei para
refletir sobre o motivo deste sentimento e, confesso, não foi
difícil descobrir.
Esta senhora, lá pelos seus primórdios, vivia no mesmo
condomínio do meu irmão, no Grajaú, Rio de Janeiro. Lembro-me das
minhas sobrinhas, ensandecidas, indo buscar as grotescas sandalinhas
cheias de brilhos no apartamento dela, na esperança de encontrar o Pelé que, vira e
mexe, dava as caras por lá.
Desde os seus 20 e poucos anos de idade, ela comanda programas
infantis cuja tônica é erotizar precocemente as crianças,
transformando meninas em arremedos de mulheres sem se preocupar com
sua vulgarização.
Os programas que comandou sempre tiveram como mote atropelar o
desenvolvimento infantil em sua exuberância repleta de etapas
simbólicas.
Pasteurizou os encantos desta fase empenhando-se em exaltar a
diferença entre possuir e não possuir os produtos que anunciava ou
que levavam sua grife tais como sandálias, roupas, maiôs, lingeries,
xampus, bonecas, chicletes, cosméticos, álbum de figurinhas, cadernos, agendas,
computadores, sopas, iogurtes, etc., num universo insano onde ela,
eternamente fantasiada de insinuante ninfeta, faz biquinho e comanda a
miúda plebe ignara.
Cientes estamos todos de que esta senhora, durante muitos e
muitos anos, defendeu zelosamente seu polpudo patrimônio
utilizando-se da fachada de menina meio abobada que sequer sabia
quantos milhões possuía. Costumava dizer que era a sua empresária
que administrava suas posses cujo montante alegava, candidamente,
desconhecer. Pobre menina rica. E burra, com certeza. Como se fosse
possível alguém tão tapada tornar-se tão rica.
Talvez para esconder a consciência que tinha acerca do quanto
ajudou a devastar a inocência de tantas gerações de meninas que lhe
devotavam a mais pura idolatria, posou de inocente útil usando a
mesma máscara que agora reedita para falar, emocionada, do seu mais
novo pretenso drama/marketing.
Esqueceu-se que sua audiência, formada, na sua massacrante
maioria, por meninas, passou a ser considerada como alvo da desumana
propaganda colocando-as como mero veículo de consumo.
Esqueceu-se, convenientemente, de comentar que milhares de
garotas pelo Brasil afora foram abusadas sexualmente ao mesmo tempo em
que eram, por ela, adestradas a vestirem-se e comportarem-se como
verdadeiras lolitas.
Esqueceu-se de que ensinou atitudes claramente ambivalentes
para crianças que não faziam a mais pálida ideia do que podiam
mobilizar em mentes doentias.
Esqueceu-se de que a erotização tem sido ligada a três dos
maiores problemas de saúde mental de adolescentes e mulheres adultas:
desordens alimentares, baixa autoestima e depressão.
Esqueceu-se também que as crianças, diariamente bombardeadas
com imagens de paquitas como modelos de uma beleza simplesmente
inalcançável enquanto corpos reais, torturavam-se perseguindo um
modo de serem belas, perfeitas, saudáveis e eternas.
Estimulando a sexualidade de forma tão precoce, essas meninas
perderam grande e preciosa fase do seu desenvolvimento natural. E
reduzir o período da inocência, certamente, acarretou-lhes
desdobramentos nefastos.
Daí para ideia, cada vez mais presente, da infância como
objeto a ser apreciado, desejado, exaltado, numa espécie de
pedofilização generalizada na sociedade foi, apenas, um pequeno
passo.
Num país onde as mães deixam suas crias, por absoluta falta
de opção, frente à tevê sem qualquer tipo de controle e sem
condições para discutir o conteúdo apresentado, encontrou esta
senhora terreno mais que propício para disseminar sua perversa e
desmedida ganância por audiência e dinheiro.
Fosse ela uma pessoa minimamente preocupada com a direção
que a sexualidade exacerbada e fora de contexto toma, neste país onde
mulheres são cotidianamente massacradas, teria falado sobre este
suposto drama muito tempo atrás. Teria tido muito mais cuidado com os
exemplos de exposição que passava. Teria norteado seu trabalho
dentro de parâmetros muito mais educativos e, desta forma,
contribuído para que milhares de meninas fossem verdadeiramente cuidadas e respeitadas. Ou teria simplesmente virado as costas e ido embora.
Logo, frente ao seu histórico, não tem mesmo nenhuma
autoridade para sustentar qualquer atitude fundamentada em belos e
necessários méritos.
Porque são de grandes valores, bons princípios e atitude
exemplares que nossa sociedade necessita de maneira URGENTE.
Portanto, CALE-SE, XUXA!
_Heloisa Lima_
_ Psicóloga Clínica - Maio de 2012._
_Pensamento recebido ontem: “O homem leva dois anos para aprender
a falar... e o resto da vida para aprender a permanecer em
silêncio”_
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